Meu hobby Executivos ingleses mantêm no Brasil o hábito de jogar o críquete, típico esporte bretão.
Tacadas aristocráticas antes do chá
Por Suzana Barelli, de Curitiba
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Steve Troop, diretor do HSBC, que ergueu campo de críquete em antiga área de futebol, faz jogada magistral durante partida em Curitiba | |
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O executivo Steve Troop, diretor de operações do HSBC Bank Brasil, não dispensa, como todo bom inglês, uma partida de críquete, mesmo quando está a mais de 6 mil milhas da Inglaterra (o equivalente a 12 horas de vôo de Londres). E nem o fato de morar no Brasil, país que mal conhece as regras do jogo, é empecilho para a prática do típico esporte bretão, criado há mais de sete séculos e hoje praticado principalmente nas ex-colônias britânicas.
Troop driblou estes obstáculos com a construção de um campo de críquete em Curitiba (PR), cidade sede do banco por aqui. Aproveitou o antigo campinho de futebol do clube dos funcionários do ex-Bamerindus e o transformou na área esportiva. "É a forma de mostrar um pouco da nossa cultura inglesa para os brasileiros", afirma o executivo. "Não estamos jogando por saudades da Inglaterra, mas porque gostamos do esporte", acrescenta. Troop já trabalhou pelo banco em vários países do Oriente Médio, em Hong Kong e, claro, na Inglaterra, mas só quando chegou ao Brasil, há quatro anos, se defrontou com um local sem o hábito do esporte.
A construção do campo, há cerca de um ano e meio, foi seguida por uma tentativa de atrair os brasileiros ao jogo. Troop calcula que uns dez funcionários do banco já se aventuraram a aprender as regras do críquete, sem muito sucesso. O jogo é disputado por dois times de 11 jogadores numa área gramada. No meio do campo, duas balizas, afastadas entre si por 20 metros, são defendidas com bastões de madeira por dois jogadores de um dos times enquanto o adversário arremessa a bola. A regra, apesar de semelhante ao nosso taco ou bets, não desperta tanto entusiasmo aos brasileiros quanto o demonstrado pelo futebol, esse sim um esporte bretão de imenso sucesso popular.
A única "tropicalização" do críquete veio com a caipirinha, bebida agora obrigatória para os jogadores ingleses, seja no campo (quando é uma partida amadora) ou nos intervalos durante os campeonatos. "É o toque nacional", brinca Allan Skyrme, diretor de operações do HSBC em Belém (PA). No final de semana passado, ele pegou três aviões até chegar em Curitiba para participar de um amistoso entre o time local e a equipe paulista, que mantém as tradições britânicas no São Paulo Athletic Club (Spac). "Sinto falta do jogo, que aprendi ainda criança, nas escolas inglesas", afirma Skyrme, nascido na Líbia. "Por aqui, os poucos campos se resumem a Curitiba, São Paulo, Rio e Brasília. Este último foi inaugurado recentemente e é usado por diplomatas", diz o inglês Adrian Odell, do Conselho Britânico e da equipe paulista.
A aceitação do esporte no mundo executivo, acredita o inglês Brian Guest, diretor-executivo do HSBC Seguros, está relacionado ao perfil tático do críquete. Ele explica que o posicionamento dos jogadores em campo varia conforme o estilo de jogo de cada atacante (batsman) do time adversário e é definido pelo capitão. "O críquete é também muito técnico, principalmente no movimento de jogar a bola com efeito", acrescenta Guest.
No jogo em Curitiba, aparentemente, os dois times estavam no mesmo patamar, apesar de o Spac ter vencido no encontro do ano passado. A equipe de São Paulo ganhou no sábado, pelo placar de 275 a 183 runs, e a curitibana, no domingo, por 165 a 145 runs. No segundo dia, o jogo foi mais curto, interrompido pela chuva, como, aliás, ocorre com freqüência na Inglaterra. Mas há partidas, como a "Tast Cricket", disputada entre países, que chega a durar cinco dias e, acredite, pode terminar empatada.
Troop cita a expressão inglesa "isso não é críquete", usada quando alguma pessoa quebra alguma regra combinada ou age sem ética, para explicar a importância do esporte no mundo inglês. "O críquete pressupõe um alto nível de integridade, e a expressão faz parte do nosso cotidiano", afirma o executivo.
O australiano Del Hamilton, que jogou pelo time paulista, diz ainda que a área verde, onde normalmente estão localizados os campos, é outro diferencial do críquete. "É um esporte para aqueles que estão preocupados com a qualidade de vida", afirma Hamilton, que trabalha na Siemens, em São Paulo e voou para Curitiba apenas para o evento esportivo. "É a oportunidade de encontrar os amigos e conhecer outras cidades."
O inglês Odell destaca a socialização promovida pelo esporte. É possível conversar com os demais jogadores ao lado do campo - pelas regras, quando o time está defendendo, apenas dois competidores estão em campo e os demais esperam a sua vez no lado de fora. Na torcida, muitos familiares, o inglês como língua oficial, uma barraca com hambúrgueres, para aplacar a fome das cinco (ou mais) horas da partida, e, claro, a caipirinha.